Às vezes mais vale desistir do que insistir, esquecer do que querer,
arrumar do que cultivar, anular do que desejar. No ar ficará para sempre a
dúvida se fizemos bem, mas pelo menos temos a paz de ter feito aquilo que devia
ser feito, (...).Às vezes é preciso mudar o que parece não ter solução, deitar
tudo abaixo para voltar a construir do zero, bater com a porta e apanhar o
último comboio no derradeiro momento e sem olhar para trás, abrir a janela e
jogar tudo borda fora, queimar cartas e fotografias, esquecer a voz e o cheiro,
as mãos e a cor da pele, apagar a memória sem medo de a perder para sempre,
esquecer tudo, cada momento, cada minuto, cada passo e cada palavra, cada
promessa e cada desilusão, atirar com tudo para dentro de uma gaveta e deitar a
chave fora, ou então pedir a alguém que guarde tudo num cofre e que a seguir
esqueça o segredo.Às vezes é preciso saber renunciar, não aceitar, não cooperar,
não ouvir nem contemporizar, não pedir nem dar, não aceitar sem participar, sair
pela porta da frente sem a fechar, pedir silêncio e paz e sossego, sem dor, sem
tristeza e sem medo de partir. E partir para outro mundo, para outro lugar,
mesmo quando o que mais queremos é ficar, permanecer, construir, investir, amar.
Porque quem parte é quem sabe para onde vai, quem escolhe o seu caminho e mesmo
que não haja caminho porque o caminho se faz a andar, o sol, o vento, o céu e o
cheiro do mar são os nossos guias, a única companhia, a certeza que fizemos bem
e que não podia ser de outra maneira. Quem fica, fica a ver, a pensar, a
meditar, a lembrar. Até se conformar e um dia então esquecer.


Margarida Rebelo Pinto
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